Trajetória

O que há em comum em todas as escolas de música?
O que é sempre igual? O que podemos mudar?
A Oficina de Música Sonia Silva surgiu no panorama paulistano em outubro de 1979, depois que Sonia Silva, arte-educadora, musicista e arte-terapeuta, vinda de uma especialização em Educação Musical com Maurice Martenot – em Paris, decidiu criar um espaço livre de educação, situado no bairro de Alto de Pinheiros. Há 44 anos, a equipe da Oficina aborda questões relativas ao fazer musical de crianças, jovens e adultos.
A prática de ensino fundamenta-se em metodologias contemporâneas de pedagogia musical focadas no improviso, na criação, em oficinas de construção de instrumentos e na execução instrumental vocal e corporal, que buscam desenvolver o humano e o sensível. Entre os autores que norteiam o trabalho da Oficina estão: H.J. Koellreutter, M. Duschenes, M. Schaffer, R. Pace, C. Orff, Kodály, Martenot, Gainza, Piaget, C.G. Jung, E. Morin, G. Bachelard, entre outros.

Linha do tempo

Foi em outubro de 1979 que o primeiro grupo de Musicalização se formou, com 4 alunos indicados por um antigo professor da Sonia, de Análise Musical, da Pró-Arte, José Massimo Ribeiro. Aos poucos, o trabalho centrado na prática de Sonia Silva foi ganhando novos profissionais e novos projetos. O eixo do trabalho, nessa época, era:
– o lúdico
– o coletivo
– a consciência corporal
– o repertório contemporâneo e étnico
… que se contrapunham ao formalismo da educação pela disciplina, pela teoria, pelo conhecido.

Com o passar do tempo, a necessidade e desejo de tocar melodias e arranjos conhecidos trouxe consigo a chegada de vários instrumentistas à equipe, o que consolidava a questão do fazer coletivo. A diversidade de formação dos professores enriqueceu o fazer musical através da formação de grupos instrumentais variados. Músicos profissionais como Helio Ziskind, Mário Manga, Guello, Tião Carvalho, Gustavo Kurlat, Gabriel Levi, Marcelo Grillo, Marilia Macedo, Banda Mantiqueira, entre outros, passaram por lá para deixar seu recado, nos anos 1980/90. Além das criações os projetos foram focados nas seguintes questões:
– apresentações em grandes teatros
– domínio de um instrumento
– ouvir e descobrir o outro

Surgiram as parcerias com entidades da área de Saúde, focando o trabalho musical em seu potencial terapêutico.Esse foi um novo passo, a partir de 2000. Uma nova frente de pesquisa e interesse surgiu, com as crianças internadas no GRAAC e com alunos deficientes visuais da Associação LARAMARA. Crianças e jovens que apresentavam transtornos significativos em seu desenvolvimento mental, motor e emocional do Laboratório do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo (Espaço Lúdico e Pacto) começaram a frequentar o espaço da Oficina de Música.

O acesso mais imediato à informação, através da informática e Internet, onde a quantidade e variedade de escuta são múltiplas e de difícil mapeamento (em função também das constantes transformações que sofrem), levou a Oficina a repensar conceitos pedagógicos de formação e informação. Uma nova escuta e um novo tocar ganharam ressignificações, a partir de novos parâmetros. Nesse momento, a canção adquire nova presença: uma autonomia da música instrumental, onde a relação entre fala e melodia é um meio altamente poderoso de comunicação, que carrega um enorme potencial pedagógico. Arranjar melodias é o desafio. O trabalho foca-se nessas questões:
– arranjos e instrumentação
– levar canções e contato musical revendo a necessidade do conhecimento formal
– criação de vídeos clipes e edições de gravações

Depoimentos

Escritora

A primeira oficina de construção de instrumentos de que se tem notícia foi obra de um deus criança, Hermes, filho de Zeus e Maia. Depois de roubar os bois de Apolo, seu irmão mais velho, o pequeno trapaceiro, para espairecer, matou uma tartaruga, arrancou-lhe o casco e esticou em seu bojo sete tripas de novilha. Assim, como canta Chico Buarque, um “deus sonso e ladrão fez das tripas a primeira lira, que animou todos os sons”.

Mas se Apolo, o-que-tudo-vê, veio em seu encalço, Hermes já o esperava, sentado numa pedra, dedilhando a lira com ar inocente. Diante do encantamento do irmão, já esquecido da raiva, Hermes propôs-lhe a troca do rebanho pelo instrumento. Deus da música, Apolo aceitou de pronto, para nunca mais abandonar sua lira. Mais tarde, Hermes repetiria a façanha, fabricando uma flauta enquanto pastoreava nas montanhas. Quando se pôs a tocá-la, Apolo, novamente seduzido, propos-lhe outra troca: a flauta pelo caduceu de ouro, que Hermes nunca mais haveria de abandonar.

Na economia musical dos deuses, uma lira vale um rebanho inteiro e uma flauta, um caduceu mágico. A música nasce pois do comércio incansável entre a natureza – bois e tripas, tartarugas e cascos, caniços e vento… – e a cultura – travessuras e sucata, deuses e contratos… Pela mediação da música, o sublime e luminoso Apolo pode criar lado a lado com seu irmão Hermes, inventivo, brincalhão, infernal. Eis como a música favorece encontros, equilibra polaridades, circula entre os mundos, emudece as palavras ao lançar no ar suas teias.

A Oficina de Música vem estimulando esses encontros ao longo dos últimos 44 anos. Em seus espaços, Hermes e Apolo tocam juntos, juntos constroem instrumentos, compõem, cantam, jogam, numa intensa troca entre o pensar, o sentir, o experimentar, o criar. O viver. Encarnados por professores e alunos, os irmãos opostos e complementares investigam e descobrem, inventam e aprendem permeados pela linguagem da música. E se de Apolo é a razão que dá a luz às formas e clareia os destinos, de Hermes é a alma, onde repousam os afetos, as sombras, imprevistos do inconsciente.

Por 44 anos, a Oficina de Música tem se dedicado a receber e cultivar diferenças, em busca de harmonias e ritmos que possam transferir-se para a realidade como outros modos de compreender, de sentir, de comunicar, de interagir, de transformar. Tem acolhido o corpo e suas linguagens, seus humores, seus gestos, permanecendo fiel a um projeto de educação da sensibilidade que sonha com a inteireza do humano.

Como escreveu Sonia certa vez, “meu corpo e meu espírito integram-se para criar, na prática, uma terceira linguagem possível, comprometida com a Educação Musical, talvez como resposta aos modelos hieráticos com os quais convivi”. Não só como resposta (coisa de Apolo), mas principalmente como pergunta (coisa de Hermes). É preciso alguma ousadia e muitas parcerias para apostar num outro paradigma para a educação musical.

Isso, graças aos deuses, não tem faltado à Oficina.

Conta outro mito que o canto de Orfeu – luthier e musicista mítico que acrescentou mais duas cordas à lira de Apolo – tornava afáveis os brutos, amansava as feras, amainava o oceano bravio. Em meio às novas formas de barbárie que assolam o mundo, a missão de Orfeu se reveste de tremenda atualidade. Inspirada por ela, a Oficina de Música renova sua crença numa educação estética que favoreça a ética, na esperança ativa de que os próximos anos sejam ainda mais fecundos e felizes para todos nós..

Mãe de Tania e Marcio alunos de 1979 a 1989

Há trinta anos, descobri, com a Sonia, que existia um novo jeito de fazer, sentir e pensar a música. Eu procurava um lugar especial para minha filha Tania, então com 7 anos, um lugar que não tolhesse sua musicalidade natural. O que Sonia propunha rompia com todos os padrões da época, permitindo que se experimentasse simultaneamente a disciplina necessária para se atingir metas e a liberdade de expressão, com resultados surpreendentes. Se, no meu tempo de infância, a gente seguia uma partitura, naquele momento, a criança também desenhava a sua, partindo de experiências corporais, emocionais, mentais e das trocas sociais. De quebra, ainda construía os instrumentos, pesquisava ritmos, sons, melodias, dentro e fora do espaço da oficina – no mundo – integrando a experiência musical ao seu dia a dia. Quando você passa por uma experiência desse tipo, perde o medo de errar, adquire segurança, confiança, prazer de atuar, torna-se sujeito ativo, criativo, cooperativo. O conhecimento adquirido, riquíssimo, pôde ser transferido para outras áreas de sua vida. E assim foi para outras crianças que acompanhei de perto, inclusive com meu filho Marcio.

Educadora da escola Alecrim, filha de Beatriz Sztutman e mãe do Danilo de 7 anos, aluno da Oficina desde 2008.

Fiquei pensando bastante tempo em como poderia traduzir em poucas linhas uma experiência quase de vida, vivida com a Sonia em metade de minha infância… Impossível. Mesmo assim, muitas coisas podem ser ditas… As lembranças que tenho são deliciosas: o lanchinho com suco de caju na hora da chegada (até hoje não posso tomar esse suco, sem lembrar do cheiro da cozinha da Sonia), a partitura do Dave Brubeck, o Metrissigud (instrumento montado com metalofone-triângulo-sininho e… gud porque soava bem e era engraçado), construído com tanta animação… A dificuldade de ler as partituras, de me manter no ritmo, as danças com movimentos fortes e fracos e as deliciosas apresentações de teatro e música. Me sentia realizando um trabalho maravilhoso! Uma verdadeira artista! Tudo isso é inesquecível! São lembranças quentes e doces! Mais tarde, isso passou a fazer parte de minha vida de outra forma. Sinto que tenho agora um grande repertório para lidar com uma série de questões, em meu trabalho como educadora. Tenho uma experiência e um conhecimento que fazem diferença onde estou. Consigo ajudar e trabalhar melhor com os meus alunos (escutando internamente a sua voz e o som das suas aulas). Sou capaz de lidar melhor com a concentração, equilíbrio, ritmo, corpo… e também de trabalhar com isso com os meus pequenos na sala de aula. Sinto-me privilegiada por ter tido essa experiência. Também não posso deixar de dizer que a música e a dança passaram a fazer parte de minha vida social de maneira irrecuperável (rs). Não dá pra ficar sem! É com muito orgulho que gosto de mostrar minhas fotos, no mural da sala de espera da Oficina de Musica, hoje, para meu filho, e dizer com a boca cheia que fui a primeira aluna! E agora, como mãe, é muito gostoso poder proporcionar a mesma experiência para o Danilo.

Músico formado em composição pela FASM, em 2007. Atua em vários projetos como instrumentista, compositor e arranjador. Foi aluno da Oficina de Música Sonia Silva de 1988 a 1997 e professor lá mesmo, de 2001 a 2007.

Fiquei pensando bastante tempo em como poderia traduzir em poucas linhas uma experiência quase de vida, vivida com a Sonia em metade de minha infância… Impossível. Mesmo assim, muitas coisas podem ser ditas… As lembranças que tenho são deliciosas: o lanchinho com suco de caju na hora da chegada (até hoje não posso tomar esse suco, sem lembrar do cheiro da cozinha da Sonia), a partitura do Dave Brubeck, o Metrissigud (instrumento montado com metalofone-triângulo-sininho e… gud porque soava bem e era engraçado), construído com tanta animação… A dificuldade de ler as partituras, de me manter no ritmo, as danças com movimentos fortes e fracos e as deliciosas apresentações de teatro e música. Me sentia realizando um trabalho maravilhoso! Uma verdadeira artista! Tudo isso é inesquecível! São lembranças quentes e doces! Mais tarde, isso passou a fazer parte de minha vida de outra forma. Sinto que tenho agora um grande repertório para lidar com uma série de questões, em meu trabalho como educadora. Tenho uma experiência e um conhecimento que fazem diferença onde estou. Consigo ajudar e trabalhar melhor com os meus alunos (escutando internamente a sua voz e o som das suas aulas). Sou capaz de lidar melhor com a concentração, equilíbrio, ritmo, corpo… e também de trabalhar com isso com os meus pequenos na sala de aula. Sinto-me privilegiada por ter tido essa experiência. Também não posso deixar de dizer que a música e a dança passaram a fazer parte de minha vida social de maneira irrecuperável (rs). Não dá pra ficar sem! É com muito orgulho que gosto de mostrar minhas fotos, no mural da sala de espera da Oficina de Musica, hoje, para meu filho, e dizer com a boca cheia que fui a primeira aluna! E agora, como mãe, é muito gostoso poder proporcionar a mesma experiência para o Danilo.

economista e aluno da Faculdade de Musica FAAM – baterista e violonista foi aluno da Oficina de Musica Sonia Silva de 1980 a 1987.

Fui aluno da segunda turma da oficina, a partir de 1980, ao longo de 7 anos. Na Faculdade de Música onde atualmente estudo, e em outras atividades musicais que participei como instrumentista, percebi que o curso de musicalização da Oficina de Música trouxe uma ótima formação Musical para minha vida. As atividades feitas em aula eram muito interessantes como por exemplo as improvisações, composições e pequenas trilhas sonoras que fazíamos coletivamente”